Vida de Sabonete

Vida de Sabonete

Era um sabonete novo, fresquíssimo, por estrear. Nunca tinha tomado banho.
Naquela gaveta de drogaria, onde ele, junto com muitos outros colegas, aguardava a vez de ser vendido, já tinha perguntado, ainda que timidamente:
- Afinal, para o que é que eu servi?
- Serves para lavar e perfumar - respondeu-lhe um velho sabonete de alcatrão, muito sabedor das coisas da vida. - Vais dar banho, tomar banho... Descansa que o que te espera vai ser bom.
Um sabonete para a caspa, ou melhor, contra a caspa, acrescentou:
- Mas tudo o que é bom também acaba.
Era o rezingão do grupo.
O sabonete novo teve a oportunidade de confirmar as previsões do velho sabonete. Tudo aconteceu como ele dissera. Deu banhos e tomou banhos, escorregou vezes sem conta pelo mármore polido da banheira, conviveu com esponjas e escovas macias. Mas, redondo que tinha sido, estava agora delgadito. Ainda foi parar à beira de um lavatório, a par de outros tão magros quanto ele.
- Somos, agora, sabonetes de lavar as mãos - avisaram-no os companheiros. Até ver... Tudo o que é bom também acaba.
Lá estava o aviso, de novo a insinuar-se, a dar que pensar.
Ele e os outros da saboneteira foram-se desfazendo em espuma. "Tudo o que é bom também acaba". O sabonetinho, que tinha sido novo, começava a perceber.
Até que veio um menino que queria fazer uma caldeirada. No dizer desse menino "caldeirada" era juntar, numa tigela, sobras de sabão e de sabonetes, acrescentar água, remexer com uma cana e, depois da calda pronta, soprar por um canudo bolas de sabão.
Subiram pelo ar, atraídas pela luz rolaram, soltas, leves, felizes, grandes e pequenas bolas de sabão, como gotas ou lágrimas do arco-íris. Voaram, perderam-se pelo azul do céu...
Tudo o que é bom também acaba. Mas, às vezes, acaba bem.